O que conversam dois enólogos quando se reúnem no laboratório, em plena vindima, e provam as mais diversas colheitas de brancos e tintos? Copos cheios, portátil aberto, tabelas de dados a ler e atualizar, copos ao nariz e à boca e tomam-se as primeiras decisões. Vinhos que se destacam e se impõem, blends que nascem, ou incógnitas que se mantêm porque é demasiado cedo. O momento é mais ou menos sagrado e a conversa não se interrompe ou muito menos se decifra. Estamos no campo técnico e sensorial. Por isso é melhor quebrar o gelo de outra forma. E se eles se entrevistassem um ao outro? Por exemplo, e se fosse a enóloga Susete Melo a entrevistar o colega Diogo Lopes, já agora, o Enólogo do ano 2022 em Portugal? “Cinco perguntas”, diz ela:
- Então e estás a gostar do que estás provar? O que achas desta vindima de 2023?
- É capaz de ser um ano bem melhor para os brancos do que para os tintos, não achas? A malta diz sempre que a vindima foi espetacular; ou então usa-se aquele chavão de que foi uma vindima... “desafiante”. Enfim, nada a fazer... aquela chuva que caiu, ainda a vindima de tintos estava no início, tornou tudo um bocado mais difícil. Nessa altura os brancos já estavam na adega. É verdade que o ano foi quente, a vindima começou cedo, mas aqui no alto do Vale do Távora, com estas exposições a norte e noroeste, estamos sempre bem defendidos. Vamos ver, vamos ver... tu sabes como eu me entusiasmo logo com os brancos...
- De todas qual foi a vindima que mais gostaste de fazer até hoje?
- Resposta difícil... adoro a vindima, adoro o stresse da adega, mas o que eu gosto mesmo é de chegar ao fim da vindima e às adiafas, ou como se diz aqui, as festas de final de vindima. Por alguma razão a vindima tem uma celebração de encerramento, certo? Talvez aquelas vindimas dos nossos estágios de juventude, que foram as primeiras e tinham festas quase diárias, tenham um lugar especial aqui nas recordações...
- Pois. Na vindima fazemos vinho, mas depois sabe sempre bem uma cerveja! Assume lá; no final de um dia de provas, ou de tantos dias de prova, o que sabe melhor não é sempre uma cervejinha?
- E não há que ter receio em assumir isso! O que seria da vida de um enólogo sem cerveja, sobretudo após um dia como este em que nos passam dezenas de vinhos pela boca? Temos mesmo que limpar o palato e a cerveja é um momento de salvação.
- Eu estou completamente de acordo, há poucas coisas melhores que um fino gelado no fim das provas! E sim, gosto de finos que eu sou do norte, e para mim é um fino!
- É obrigatório! Por uma questão de conforto e para nos libertar o cérebro de tantas notas sobre vinho.
- E isso de ser Enólogo do Ano? Como é que vais fazer no próximo ano? Está quase a acabar!
- É verdade... estou a tentar fazer render o estatuto a aproveitar ao máximo. Tenho o troféu ali no carro e de vez em quando saco-o para tirar uma foto com as equipas. Faz sentido, não é? Mas, se calhar, o melhor dos prémios anuais é que acabam rapidamente nos fazem começar de novo. Quem sabe, às tantas já estamos aqui a fazer um vinho que nos fará chegar a mais algum prémio qualquer.
Temos sempre tantos vinhos giros nesta fase, mas há sempre o Vinha do Feliciano que se destaca, não é?
Já viste! Como é incrível que uma parcela se destaque assim, todos os anos! Chegamos à primeira prova e impõe-se logo, sempre! O perfume que vem aí desse copo... A Vinha Velha a expressar-se já. É só não mexer. E daí virá o nosso topo-de-gama!
-É só não mexer... e agora só para sermos um bocadinho mais sérios e para me meter contigo: vinhos naturais ou vinhos convencionais? Diz-me o que pensas!
Ui, não puxes por mim. Devolvo a pergunta: pode um vinho 100% natural expressar fielmente um terroir, em profundidade, se tiver defeitos vários, isto é, se não for equilibrado e salvaguardado pela enologia, mesmo que seja uma enologia de intervenção mínima?
- Pois, acho que é por aí. Talvez possam existir vinhos naturais, para um certo tipo de produto e consumo específico, mas o acompanhamento próximo do enólogo deve ser atento. A questão é se poderão existir grandes vinhos, 100% naturais.
- Pois. Vamos beber uma cerveja? Afinal foram 8 perguntas...
Nota:
A ideia deste blog surgiu quando me apercebi que ainda não tínhamos escrito aqui sobre o prémio de Enólogo do Ano do Diogo. É sempre durante a vindima que mais admiro o trabalho e a dedicação dele aos vinhos que faz. E portanto fizemos esta entrevista entre os dois em modo de brincadeira. No entanto, quero também deixar, em modo mais sério, pessoal e público, os parabéns ao Diogo pelo prémio de enólogo do ano. Conheço e trabalho com o Diogo há algum tempo e assisto todos os dias à capacidade que ele tem de saber o que se passa nas cubas de cada adega, à dedicação que mostra a cada um dos seus projectos e à paixão avassaladora que tem pelos vinhos, por fazê-los e por prová-los (ou aqui entre nós, bebê-los). Ao longo dos anos já tive oportunidade que conhecer vários enólogos, e muitos deles fantásticos. O Diogo ficará no mínimo ao lado dos melhores. E por isso, parabéns Diogo! É mais do que merecido.
(Maria Susete Melo)